Ernildo Stein
Primeiro Encontro
Ernildo J. Stein (1934-) é Professor Titular na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde coordena o grupo de pesquisa Linguagem e Hermenêutica. Fez Pós-Doutorado na Universidade de Erlangen-Nürnberg (1969-1972), na Universidade Livre de Berlim (1981), na Universidade de Freiburg (1989). Tem experiência em diversas áreas da Filosofia, com ênfase em Metafísica, História da Filosofia, Epistemologia e Antropologia Filosófica, e é especialista em temas como: o pensamento de Martin Heidegger, Fenomenologia, Hermenêutica, Direito, Psicanálise e questões da cultura em geral. Trata-se, sem dúvida, de um dos maiores Pensadores da Filosofia brasileira.
Na Alemanha, Stein foi aluno de Martin Heidegger (1889-1976). E já em sua Tese de Doutoramento (UFRGS, 1968), sob a orientação do Prof. Dr. Miguel Reale, abordou o pensamento do Filósofo alemão – Compreensão e finitude – estrutura e movimento da interrogação Heideggeriana.
Ernildo Stein é considerado no meio acadêmico, e mesmo fora dele, um dos maiores especialistas em torno do pensamento de Martin Heidegger, nacional e internacionalmente. Possui vários livros, textos e ensaios acerca das abordagens de Heidegger. Foi um dos principais consultores e tradutores dos trabalhos do Filósofo alemão na bem conhecida e longeva Coleção Os Pensadores.
Além de um pensador de extrema agudeza e capacidade técnica, Stein é um excelente Professor. Suas aulas são uma torrente infindável de idéias, conceitos, fundamentações, sempre de forma arrojada e contundente. Ernildo Stein parece fazer da Filosofia o pátio de sua casa, seu quintal, tamanho é seu domínio de toda a História da Filosofia.
Este breve ensaio é uma homenagem a Ernildo J. Stein, e relata uma pequena e pitoresca (mas significativa para mim) passagem que se situa em torno de meu primeiro contato direto com o Professor.
Após expressivos esforços, havia conseguido ingressar em um Curso de pós-gradução em Filosofia. Obtive ingresso no Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUC-RS. Meu anteprojeto visava abordar o pensamento de Richard Rorty (1931-2007), Filósofo norte-americano com quem eu havia tomado contato pouco antes, através das leituras de textos do alemão Jürgen Habermas (1929-) e do estadunidense Hilary Putnam (1926-).
Uma das primeiras Disciplinas do Curso na PUC-RS, à época ministrada pelo competente e atencioso Prof. Dr. Draiton Gonzaga, tinha por objetivo refinar o anteprojeto com os quais os alunos haviam ingressado na Faculdade. Além deste refinamento, redirecionamento, havia ali também uma indicação preliminar do possível Orientador para nossos projetos.
Quando apresentei meu projeto (agora não mais anteprojeto), cuja linha de pesquisa era a Filosofia da Linguagem, abordando os conceitos de Verdade e Realidade no pensamento de Richard Rorty, o Prof. Draiton logo disparou: “Sr. Marcelo, o seu Orientador precisa ser o Prof. Ernildo Stein. Ele é maior especialista hoje em Filosofia da Linguagem em nosso Curso. E possui contato com o pensamento de Richard Rorty!”. Tomei um susto. O Prof. Stein, juntamente com toda a sua renomada competência, tinha entre nós alunos uma certa fama de contar com uma personalidade forte e “difícil”, especialmente no contato com os calouros. Mas o Prof. Draiton fora categórico. E advertira: “Se o Prof. Stein não aceitar orientar seu projeto, talvez o Senhor deva mesmo pensar em alterá-lo, buscando outra linha.”.
Puxa… Não queria alterar significativamente meu projeto, pelo menos em sua abordagem central, isto é, o pensamento de Rorty em torno das questões Verdade e Realidade. A perspectiva de Rorty me fascinara! A leitura dos livros A Filosofia e o espelho da natureza e Contingência, Ironia e Solidariedade havia mudado minha percepção da Filosofia, havia mudado mesmo minha própria visão de mundo. E agora? Seria “massacrado” pelo Prof. Stein… Os demais Colegas, no intervalo me olharam com olhares caridosos e solidários, colocando a mão em meu ombro, como se dizendo: “Boa sorte! Tente sair de lá pelo menos vivo…”. Da Turma, somente eu havia recebido a indicação de Ernildo Stein como possível Orientador.
Pois bem, não havia mesmo jeito. Liguei para a Secretária do PPGF e busquei agendar a reunião com o Prof. Stein. Ela me disse objetivamente: “O Prof. Stein somente atende alunos novos em tal dia. Pela tarde. Ele solicita que as reuniões sejam breves”. Pensei: “Bom deus!”. Mas não havia nada por fazer senão marcar a reunião. Agendei para às duas da tarde de uma quarta-feira. “Seja o que deus quiser!”, pensei. É… Estudantes de Filosofia também precisam acreditar em forças superiores…
A Reunião
Dez minutos antes do horário marcado para a reunião ou entrevista com o Prof. Stein lá estava eu. Nervoso, tenso, vários livros embaixo do braço e na pasta. Sentei-me em frente a seu gabinete. Como o horário do encontro chegara, resolvi bater leve e educamente na porta da sala.
Já havia visto o Prof. Stein, pois ele fizera a aula inaugural na abertura do Curso. Concluiu sua lição dizendo enfaticamente: “Senhores, não se deixem enganar por estarmos em uma Pontifícia Universidade. Uma Universidade Católica. Aqui, em nosso Curso, nós discutimos tudo. Profundamente. Inclusive a própria existência de Deus.”. Fora uma aula inaugural marcante.
Após uma nova leve batida na porta, e já imaginando que talvez o Professor não estivesse em seu gabinete, fui atendido por uma figura simpática, com um leve sorriso nos lábios, que me convidou a entrar, oferecendo-me uma cadeira ao lado de sua mesa de trabalho. Na mesa, vários livros abertos. Um texto rabiscado e, provavelmente, o mesmo texto sendo revisado na tela do computador. O Professor, de maneira educada, me disse que estava trabalhando no texto-base de sua próxima aula (ao mesmo tempo me dizia ou parecia dizer: “Tenho cinco minutos para o Senhor.”).
Apresentei-me a ele revelei o motivo de minha visita. Havia ingressado na pós-graduação, meu projeto estava na área de abrangência da Filosofia da Linguagem, e queria abordar os conceitos de Verdade e Realidade. Disse-lhe que, por recomendação do Prof. Drayton Gonzaga, estava ali solicitando que verificasse a possibilidade de orientar meu projeto de dissertação.
Quando comentei sobre a Linha de Pesquisa – Filosofia da Linguagem –, o Prof. Stein deu mais um leve sorriso e disse “Hum… O Campo onde as grandes questões da Filosofia serão finalmente resolvidas.”. Começara bem, imaginei eu. Engano!
Ernildo Stein me disse objetivamente que não aceitava alunos de Mestrado para orientação. Exigia que seus orientandos fossem alunos em seus cursos e não autorizava a matrícula dos mestrandos nas aulas, somente de doutorandos. Não tinha tempo para digressões ou concessões (com isso, ele queria dizer que não voltava a conceitos básicos da Filosofia ou dos Pensadores abordados. Com os alunos do Doutorado, entendia ele, isto não se fazia necessário, já que a base de conhecimento destes candidatos era muito mais ampla e sólida. Lembrando que o programa de pós-gradução da PUC-RS admite no Mestrado alunos egressos de outras áreas de conhecimento, que não a Filosofia. Eu, por exemplo, vinha da Administração…). Quase encerrando nossa reunião (breve reunião, aliás), me disse que precisa concluir o texto para sua aula a seguir. Pensei: “Tudo acabado. Adeus projeto de trabalhar com Rorty. Adeus idéia de aprofundar as lições sobre Verdade e Realidade à luz do neo-pragmatismo do Filósofo norte-americano. Teria que voltar à estaca zero. Escolher outro tema, outro pensador… E, evidentemente, ir em busca de outro Orientador…”.
De repente, em um relance, lancei um novo olhar para a escrivaninha de Stein e, tomando um susto, percebi que o livro que estava virado e aberto por cima de seu texto rabiscado era: Philosophy and the Mirror of Nature (1979), o original de A Filosofia e o espelho da Natureza, principal obra talvez de Richard Rory, e minha fonte central de inspiração para o Curso. Stein estava concluindo seu texto-base para a aula seguinte com o auxílio do livro que me levara ao Mestrado! Pensei então: “Esta é minha chance!”. Disse-lhe: “Professor, compreendo sua posição. O Senhor poderia ao menos emitir sua opinião sobre meu projeto e suas possibilidades?”.
Quando comecei a comentar acerca da abordagem que pretendia, Stein foi se concentrando em minhas palavras. Seu olhar parecia revelar uma crescente atenção no assunto. Disse a ele que minha abordagem central seria apoiada pelo pensamento de Richard Rorty e seus questionamentos acerca da epistemologia (teoria do conhecimento) tradicional, especialmente no livro A Filosofia e o espelho da Natureza. Após alguns minutos, disse-me: “Interessante seu projeto. Gostaria de trabalhar nele. Façamos o seguinte: irei abrir uma exceção para o Senhor e o autorizarei a se matricular nas minhas Aulas, mesmo sendo aluno do Mestrado. Tente se aplicar ao máximo no meu Curso e estudar previamente os conceitos abordados. Não farei concessões. Se perceber que o Senhor acompanha as aulas, orientarei seu projeto. Leve este bilhete para a Secretária do PPGF. Agora tenho que terminar a preparação de minha aula. Boa tarde!”.
No curto bilhete escrito à mão, Stein dava autorização para minha matrícula em seu próximo Curso. Quase não acreditei! Corri logo para a secretaria do Programa de Pós-graduação. Rorty seria trabalhado. O projeto poderia ser levado adiante. Incrível! Fui para o Café e pedi um generoso Capuccino. Saboreei aquele café como nunca….
Desnecessário dizer que as Aulas de Stein eram fascinantes. Aprendi muito lá. Seguidamente o Professor ia conosco, nos intervalos, tomar café. Lá, simpaticamente, nos ensinava mais ainda. Bons tempos…
Marcelo Lorence Fraga
Mestre em Filosofia
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
RORTY, Richard. A Filosofia e o espelho da Natureza. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
____________. Contingência, Ironia e Solidariedade. Lisboa: Presença, 1994.
STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
____________. Diferença e metafísica: ensaios sobre desconstrução. Porto Alegre: EDIPURS, 2000.
____________. Compreensão e Finitude: estrutura e movimento da interrogação da heideggeriana. Coleção ensaios – política e filosofia. Ijuí: Unijuí, 2001.
____________. Uma breve introdução à filosofia. Coleção Filosofia. Ijuí: Unijuí, 2002.
____________. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EDIPURS, 2002.